Crise silenciosa: internações por doenças respiratórias crescem entre crianças e idosos no estado do Rio
Vacinação abaixo da meta de 90% entre os grupos prioritários pode ser um dos principais agravantes
O Rio de Janeiro vive um dos invernos mais severos em relação às doenças respiratórias dos últimos anos. Em 2025, crianças de até 9 anos e idosos com mais de 70 anos concentram a maioria das 10.691 internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) já registradas no estado até o fim de junho, segundo a Secretaria de Estado de Saúde.
Na capital, entre os 342 óbitos de SRAG neste ano, 89% ocorreram entre idosos com mais de 65 anos. Também chama atenção o número de óbitos infantis, 19 crianças com menos de 12 anos morreram com complicações causadas por vírus respiratórios.
Apesar do agravamento do quadro, a vacinação contra a gripe segue muito abaixo da meta de 90% entre os grupos prioritários. No estado, apenas 28% das gestantes, crianças e idosos foram vacinados. A cidade do Rio aplicou 1,8 milhão de doses, números importantes, segundo o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz. No entanto, só 45% das pessoas do grupo de risco foram vacinadas.
“A gente nunca alcançou uma marca tão grande, mas ainda consideramos que pode melhorar muito. Tínhamos a expectativa de conseguir vacinar 2,5 milhões de cariocas. A maioria desses óbitos são evitáveis, bastaria uma dose da vacina da gripe que evitaria esses óbitos nessas pessoas. Muito mais do que resistência, tem uma certa displicência em relação a essa proteção”, pontuou.
Por que as pessoas não estão se vacinando?
Na cabeceira da cama de Edivaldo Gomes, de 77 anos, sempre há um analgésico para dores e antitérmicos. Ele já ficou gripado três vezes só esse ano. Em uma delas, o caso se agravou e ele precisou ir para o hospital.
Mesmo assim, o aposentado ainda reluta em se vacinar. As desculpas vão desde discursos como “gripe não mata”, e “já estou velho para cuidados”.
“Quando a gente chega a uma certa idade, já não liga mais para essas coisas. A vacina sempre me deixa pior do que ficar doente, então eu prefiro não tomar”, questionado se não tem medo da morte, ele responde: “Gripe não mata”.
Mas não é isso que os dados mostram. Segundo o levantamento da Secretaria de Estado de Saúde, 762 pessoas morreram por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no estado só esse ano.
Mas, então, por que as pessoas não estão se vacinando? O infectologista José Pozza atribui a culpa aos ataques ao programa nacional de imunização.
“Os ataques sempre existiram, porém, o alcance chegou a um nível alarmante. Notícias sem comprovação científica nenhuma são propagadas como verdades, gerando um medo que só atrapalha o controle de algumas doenças, inclusive algumas que já estavam erradicadas”, diz.
A propagação das notícias falsas conseguem atingir ainda mais as pessoas idosas. Foi assim com a dona Marlene Costa, de 70 anos. Ela conta que quase não tomou a vacina porque viu, em grupos de aplicativo para troca de mensagens, informações de que idosos estavam infartando após tomar a vacina.
“Eu fiquei com medo, temos medo de tudo nessa idade. Nosso corpo é mais fraco e já não resiste tanto quanto o de um jovem. Quando li sobre isso, fiquei desesperada. Mas meus filhos me convenceram a tomar a vacina. Ainda estou com medo”, disse a idosa.
Crianças são as mais afetadas
Crianças de até 9 anos, especialmente entre 1 e 5 anos, também estão sendo prejudicadas. Na rede estadual, os pacientes diagnosticados com SRAG ocupam 64,29% dos leitos de UTI pediátrica.
O número elevado de internação despertou preocupação da secretária Roberta Soares, de 28 anos. Ela é mãe do pequeno Gustavo, de 3 anos, que ficou gripado na última semana.
“Justamente quando eu ia levar ele para tomar a vacina, isso aconteceu. Por isso é importante não deixar para a última hora, como eu fiz. Graças a Deus meu filho se curou, mas penso que as coisas poderiam ser diferentes, ele poderia ter ficado pior devido a falta do imunizante”, reflete a mãe.
Segundo o infectologista pediátrico André Ricardo Araújo, é natural que com a chegada do inverno, a circulação do vírus aumente, causando infecções na via aérea da criança.
“Essa época, aqui na região sudeste, ocorre normalmente nos meados do outono, por volta de março, invadindo o inverno, até julho, início de agosto. Então, nessa época do ano, esses vírus normalmente circulam e causam essas infecções, esses quadros mais graves, gerando internações das crianças. É o maior aumento de procura nas emergências”, explica o especialista.
A taxa de positividade de exames do painel viral mostra que o vírus sincicial respiratório (VSR) ainda é o mais frequente, embora comece a apresentar tendência de queda. Entre as crianças, além do VSR, o Rinovírus é bastante prevalente. Já entre os idosos, a Influenza A predominou entre março e junho.
O médico pontua os sinais que devem deixar os pais em alerta: “A criança que está muito sonolenta, está alternando com irritação, ela para de comer, para até de mamar o peito da mãe se estiver sendo amamentada, a respiração fica muito superficial ou extremamente rápida. Além disso, tem aquele movimento em que quando a criança está respirando você vê nítidamente o abdômen entrando nas costelas, então, a pele do abdômen entrando na costela. São sinais para que a família leve a criança para a emergência o quanto antes”.
Fiocruz faz alerta
O mais recente Boletim InfoGripe da Fiocruz, divulgado na quinta-feira (3), mostrou que o número de casos de Síndrome Respiratória Grave (SRAG) permanece em níveis elevados na maior parte do país. Nele ficou constatado que a influenza A é responsável por 74% dos óbitos.
A pesquisadora Tatiana Portella, do Programa de Computação Científica da Fiocruz e do InfoGripe, reforçou o dito por André Ricardo sobre ser comum o número de casos subirem nessa época do ano, onde inverno e outono se encontram.
“Porém, o que a gente tem observado esse ano é que o número de hospitalizações por esse vírus da Influenza tem sido muito maior do que o que a gente tem observado nos dois últimos anos. A gente não investigou quais as possíveis causas, mas acreditamos que a baixa procura pela vacina da gripe pode ser um fator importante que tem contribuído”, detalha.
Segundo a especialista, ainda há muitas dúvidas infundadas sobre a segurança do imunizante.
“Infelizmente, a gente tem ouvido por ai que algumas notícias falsas sobre a vacina da gripe, então, é importante ressaltar que a vacina da gripe é bastante segura. Ela é feita pelo vírus inativo, por tanto não causa gripe nas pessoas. Algumas vezes pode causar alguns efeitos, como uma dor no local da aplicação, uma sensação de mal-estar, mas são temporários e leves, que não causam prejuízo na pessoa vacinada”, reforça.
Fonte: Agenda do Poder
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